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Tempos de Crise


somos aquilo que somos hoje, porque tivemos determinadas bases asseguradas e garantidas na nossa vida que nos permitiram ir mais além, valorizar determinadas coisas, ter determinadas necessidades.na pirâmide de Maslow, as nossas necessidades básicas estiveram sempre (para a maioria) asseguradas e, agora, mais do que nunca estão em risco. agora aquilo que dávamos como adquirido perdemos, de repente, num abrir de fechar de olhos. tivemos de deixar de negar a situação e envolvermo-nos nela.
agora vivemos tempos de adaptação, tempos em que temos de voltar a ajustar as nossas necessidades e expetativas. mas não sejamos ingénuos, custa, custa muito ter de abdicar da nossa liberdade de circulação, da nossa "liberdade relacional". custa ter de engolir em seco quando acaba a chamada no WhatsApp, e o que mais queríamos era uma abraço de despedida. custa ter de apreciar o sol da varanda e o cheiro da relva da janela. custa a temática à nossa voltar ser sempre mesma: os infetados, as mortes, os detidos, as transgressões, as medidas. tudo é muito castrador e não estamos habituados. somos invadidos por uma negatividade tal que nos enche e preenche. somos invadidos pelo medo, por nós, pelos nossos, pelos outros como se calhar nunca tivemos. a angustia de morte surge de forma clara e evidente. é assustador!
e o que podemos fazer no meio disto tudo? podemos continuar a adaptar-nos, com a resiliência que, como magníficos seres humanos que somos, temos o privilégio de ter. é respirar fundo cada vez que alguém sai de casa e pensar que tudo irá ficar, que somos fortes, que somos saudáveis e que os nossos também o são. e por aqueles que não o são, nós fazemos a nossa parte que é ficar de fora das suas vidas presencialmente. e eles farão a deles também. é afastarmos do engarrafamento constante de noticias que abafa os nossos pensamentos e elimina qualquer gota de positivismos que podíamos ainda ter. temos de nos habituar a contentar com o olhar na câmara, com as palavras doces pela coluna do telemóvel. temos de passar a ser nós a abraçarmo-nos a nós próprios, porque também é importante - e agora mais do que nunca talvez. temos de nos habituar que a sala ou a cozinha serão, nos próximos tempos, o nosso escritório e que agora somos, mais ou menos, gestores do nosso tempo - o que implica uma grande disciplina. temos de trabalhar esta nossa constante necessidade de controlo para podermos finalmente respirar e deixar ir, agora sim viver um dia de cada vez. para os crentes, é crer que tudo ficará bem, que no fim vamos sair disto tão melhores pessoas, tão melhor comunidade, tão melhor humanidade.

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